SER PAI
Ser pai é certamente a tarefa mais
difícil do mundo. É perdermos, com coragem, a nossa liberdade. Deixarmos de
estar presos à consciência livre do nosso egoísmo. Mesmo sabendo que mais lá à frente, na encruzilhada do tempo, os nossos filhos irão fazer outras escolhas,
avançar a uma velocidade já insuportável para nós, afastar a sua juventude
cheia de sonhos, de desejos e de vida, enquanto ficamos a vê-los partir, com o
corpo já cansado e velho, mas com a mente tranquila de quem cumpriu a missão do
Amor, envelhecendo para tornar jovem a esperança dos filhos.
Mesmo que muitas vezes me levante quebrado, devido ao
esforço, às obrigações, às responsabilidades e aos problemas que os meus filhos me
impõem, não subsiste em mim qualquer arrependimento de ter sido pai. Mesmo que
o mais pequeno, de cinco anos de idade, por ser uma criança hiperactiva, me
deixe à beira do desespero com as suas birras constantes e inesgotáveis, quando
já só penso em dar-lhe umas palmadas, tento ter um derradeiro momento de
lucidez. E nesse preciso instante, recordo que em algum lugar do passado também
já fui assim: já parti copos, já entornei o sumo na mesa e na roupa, já exigi
os gelados, os bolos, os carrinhos, as bolas, os balões, uma volta no
carrossel e um sem número de tantas outras coisas que eu achava normal poder
ter e fazerem parte dos direitos da criança: errar para aprender e pedir para crescer.
Bem sei que estou a ficar velho. Que o tempo não se repete.
Que possivelmente os meus filhos nunca agradecerão a minha dedicação, e irão
provavelmente até culpar-me do que fiz ou não por eles, mas isso que
importância tem. De uma forma ou de outra o tempo teria passado sempre ao mesmo
ritmo, eu envelheceria irremediavelmente, e o argumento de gozar mais ou menos
a vida não passa de uma ilusão, porque não podemos congelar os minutos e os
momentos de prazer. Só ficam as recordações a esfarelarem-se na nossa mente e
por vezes já não temos a certeza, nem retemos sequer o sentido ou a forma, de como é que,
efectivamente, essas situações remotamente agradáveis sucederam.
Pelo contrário, um filho é algo que permanece. Que está ali
para nos provar que vivemos a vida. Que fizemos algo mais que ser uns simples
egoístas, preocupados com prazer imediato: viajar, possuir mais poder e bens
materiais, ter uma incontinência de relações sexuais e permanecermos belos e
jovens.
Não tenhamos ilusões! Tudo se esvai! E a conta final, a
aritmética entre o que ganhámos ou perdemos, com ou sem filhos, tem um
resultado improvável e surpreendente.
Por isso, quando ontem à noite o meu filho mais pequeno fez
uma birra para ir para casa jogar no computador, e nós, os pais, queríamos
ficar no baile a dançar, provavelmente
roubou-nos um momento de prazer e liberdade, mas permitiu que eu e a minha
mulher aos regressarmos mais cedo fizéssemos Amor, o que certamente não
sucederia se regressássemos de madrugada suados e cansados.
E às sete da manhã quando o menino me estremunhou a noite de
sono por ter feito chichi na cama, deu-me a oportunidade de escrever este texto
que eventualmente não escreveria.
Certamente ao ter filhos perdi muita da minha liberdade, tive
muitas preocupações e envelheci mais rapidamente mas, sem dúvida, com eles
tenho mais afectos e alegria e desfruto mais a vida.
Chamusca, 19/08/2013
Mesmo num tempo em que ser pai é opção e não "destino", são as nossas opções que constroem quem somos - o sair do baile, ou o ter um filho...
ResponderEliminarParabéns, pai.