O
CIRCO DA TRISTEZA (1)
A mãe, ainda jovem no bilhete de
identidade, chegou com o seu rosto estriado de rugas da depressão e os lábios
murchos pela velhice das lamentações. Estendeu para o oficial de justiça os
seus olhos como pedras fundas e sujas do lodo das olheiras e deixou cair as
folhas podres das palavras da raiz desdentada das gengivas.
-
Venho só avisar que o meu filho é um excelente aluno. Tem 14 anos. Vai terminar
o 9.º ano e vou tirá-lo da escola.
O
trabalhador da justiça permaneceu em silêncio, para que ela se pudesse
explicar.
-
O pai nunca quis saber dele. Eu estou doente. Os 246€ que recebo por parte da
Segurança Social mal dão para comermos. Portanto, é impossível mantê-lo a
estudar.
O
oficial encarou as mãos manchadas de lixívia da mulher e respondeu-lhe:
-
Mas assim, devido ao absentismo escolar, o seu filho é considerado um jovem em
risco e em perigo na sua formação, o que vai dar origem a um processo de promoção
e protecção.
A
mãe abriu a concha das mãos, para exprimir melhor as palavras com a batuta dos
gestos e respondeu:
-
Leis estúpidas estas que penalizam as mães e os filhos por serem pobres, devido
à riqueza injusta de quem as fez. O que é que prevalece: a lei obrigatória de
ir à escola, ou o direito de vivermos numa sociedade justa?
A
mulher não esperou pela resposta, se é que a pretendia, e foi-se embora ao
encontro do espectáculo da vida.
O
oficial de justiça voltou ao seu lugar e como um autómato continuou a esmagar
as palavras sob o teclado do computador.
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