O CIRCO DA TRISTEZA (2)
A criança tinha os olhos feitos de cera a derreter
as lágrimas de tristeza. As suas mãos eram duas cruzes pregadas no peito e a
sua língua como um badalo repenicava a pergunta ao céu.
- Mas porquê eu, meu Deus?
A senhora Técnica da Segurança Social compunha o
cabelo num gesto de vaidade, o advogado traçava passos para a frente e para
trás num percurso irrequieto e impaciente, de quem não tem tempo a perder, e os
pais, que tinham fugido depois do parto, deviam andar perdidos por entre as
ruas deste mundo de sentimentos cruéis.
12 anos a viver numa Instituição, invisível ao
apelo dos afectos, na espera inútil de ser adoptada. Mas o tempo, esse canalha
que destrói ilusões, vai continuar a tecer teias de dor que vão envolvendo cada
vez mais o corpo sem asas da criança, passarinho frágil abandonado na gaiola.
O oficial de justiça mordia os lábios e enterrava
as unhas nas palmas das mãos, para conter o desespero de não poder gritar:
- Vá lá, apareça apenas um daqueles que tanto falam
de amor e liberte esta menina das grades insensíveis e desumanas da vida.
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