Excerto do romance inédito "Brasil, Velório dos Sonhos"
"É melhor que fale por nós a nossa vida,
que as nossas palavras."
Mahatma
Ghandi
Ninguém é
verdadeiramente verdadeiro. Mesmo quando os princípios da nossa sensibilidade
humana e dos nossos sentimentos nos induzem a sermos honestos, existe sempre
uma reserva intima, um medo de uma dor antiga, um trauma que por vezes nos fere
o pensamento e nos impede de contar seja para quem for certos pormenores da
nossa vida. Não agimos assim por não confiar em quem amamos, ou porque não
desejássemos partilhar esses acontecimentos, mas porque todos nós temos
segredos que como teias de sombras nos enredam nas caves escuras, húmidas e bafientas,
onde habitam as aranhas viscosas e negras da nossa intimidade aprisionada.
Existem pormenores
da existência de cada um de nós, verdades ocultas que marcaram a nossa vida,
que pretendemos esquecer, mas que em determinados momentos, como pedras atiradas
pelo subconsciente nos embatem contra a memória e nos fazem reviver a dor e a
vergonha da ferida e do acto que pretendíamos esquecer.
No fundo, só cada
um conhece todos os filamentos da sua própria vida. Nela existem todos os
tempos: o passado, o presente e o futuro. Alguém pode saber muito de outra
pessoa até ao que pensa ser o ínfimo detalhe, mas o facto é que desconhece
muito do todo que ela representa. Factos que a marcaram? Como reage o seu
espírito em determinadas situações? Que pensamentos ou desejos a assediam
permanentemente? Aquilo que efectivamente cada um é no espaço aberto da sua
personalidade, muitas vezes camuflada?
Nem por Amor se
conta tudo. E esse é o estádio mais frágil, disponível, apaixonado, sincero e
verdadeiro da alma.
Existem factos que
pretendemos omitir para nos protegermos a nós e aos outros, mas também porque
nunca os conseguiremos contar.
A verdade é que
somos cobardes, envergonhados, vergonhosos, fomos atraiçoados e somos
traiçoeiros e esta reserva sobre a nossa existência íntima permite-nos estar a
salvo, vivendo uma certa liberdade condicionada, num mundo que nos vigia,
acusa, cataloga e encerra em ficheiros, que nos formata, e onde jamais
poderemos ser livres.
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