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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A Poesia no Largo ou A Festa da Poesia

Na tarde do passado sábado 24/09/2011, tive o prazer de estar presente num excelente evento realizado no Largo Vasco da Gama na Chamusca, onde a Câmara Municipal local e a sua Biblioteca conseguiram congregar as pessoas e os versos num poemário comum.
Ali, tive a oportunidade de declamar um poema sobre a Vila, a sua vida, e algumas pessoas que marcaram o tempo já distante da minha infância.
Não podia deixar de o partilhar com os vossos sentimentos.


QUANDO EU ERA MENINO


Quando eu era menino,
as vacas e as ovelhas acordavam as manhãs
com o som dos chocalhos e dos balidos.
Ranchos de homens nasciam com o sol
e acendendo os cigarros na pederneira do lusco-fusco
iam matar o bicho na tasca do António Cruz.
Dali, um bando deles,
esvoaçava como garças para os campos,
ende iam rasgar a terra com os bicos
e semeá-la e plantá-la com o fruto do suor.
Os outros, como ciclistas,
pedalando num contra-relógio,
tentavam vencer a tempo
a sirene da ferra da fábrica de tomate.

À mesma hora estremunhada da manhã
sobre o equilíbrio das cabeças enrodilhadas
com trouxas de roupa,
já as mulheres se encaminhavam
para os portos do Carvão e das Mulheres,
para irem lavar o sono dos lençóis no Tejo,
no leito rumoroso do qual
o Manuel Grilo e o Francisco Fernandes
faziam deslizar os barcos a favor da corrente,
lançando à água o véu das redes
para emalhar os barbos e as fataças.


Mais tarde, quando o reflexo do sol,
se reflectia no espelho branco das casas,
o menino ia brincar com as palavras
para a escola do mestre Manuel Barroso
onde aprendia o significado do país
e o abecedário da vida.


Naquela época tudo era tão simples
como o ciclo do tempo,
onde à noite se sucede o dia
e os anos aos meses,
com tanta naturalidade como o regresso das cegonhas
todas as primaveras aos seus ninhos
encavalitados nos eucaliptos da Estrada Nacional 118,
ou a extravasão das cheias que saltavam
numa vaga imensa sobre o tapadão,
inundando a tranquilidade verde dos campos
e o silêncio morno das casas.


Quando eu era menino
as estrelas brilhavam como malmequeres amarelos,
o cheiro da noite rescendia a feno
e a lua incendiava de luz o terreiro do baile
onde os pares ardiam de alegria
dançando enleados ao ritmo da música
encantada pela concertina alegre do Chico da taberna.


Quando eu era criança
a Vila era uma espécie de salgueiro
de ramos tranquilos e infinitos,
onde os meninos como bandos de estorninhos
vinham pousar sobre as folhas soltas pelo vento
batendo asas na ilusão da liberdade.


Quando eu era menino
hoje é já somente uma memória,
mas o umbigo do mundo
e as raízes da minha vida
continuam a brotar com fervor
do ventre da minha Terra.





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