Francisca
gostava imenso de estender o seu corpo ao longo do sofá e deitar a cabeça no
colo de Fernando. Nem sequer precisava pedir-lhe, pois ele conhecia
perfeitamente aquele jeito manhoso da mulher e, acto contínuo, estendia as mãos
para a sua cabeleira à mercê das carícias e, com as unhas, traçava-lhe
carreiros entre os cabelos, alisando-lhe a pele, num afago tão sensível e de
prazer tão profundo, que ambos se arrepiavam com o poder inebriante de um
simples gesto de ternura.
- As tuas mãos
são uma delícia meu amor. Nunca deixes de me pentear com carícias - dizia-lhe
ela.
- Nunca
deixarei de o fazer. Os teus cabelos são tão macios e leves que poderei ficar
aqui toda a vida, sem me cansar, de olhos fechados, a imaginar que penteio
ervas ou aliso areia, com a polpa sensível dos dedos tacteando a emoção.
Eles não eram
piegas, hipócritas, fingidos ou banais. Apenas se amavam. Somente diziam o que
sentiam. E a verdade contém toda a razão. Não há nada de mais puro e emocional
do que a sinceridade.
Já tinham
comemorado as bodas de prata. Caminhavam para os cinquenta anos e o seu
espírito, a sua atracção e o seu Amor eram, sem sombra de dúvida, na sua
juventude e frescura, o mesmo daqueles jovens que há cerca de trinta anos, num
simples fogo-de-vista, se apaixonaram no interior de um comboio Regional que
fazia a viagem entre Lisboa e o Entroncamento.
Fernando
lembra-se perfeitamente daquele dia no final de um mês de Outubro ainda quente.
Do vestido de meia manga e comprido que caía um pouco acima dos tornozelos de
Francisca, plantado de flores amarelas, lilases e vermelhas, com os quatro
botões azuis do peitilho abertos, deixando antever a pele branca e sensual dos
seios. Recorda-se exactamente do rosto dela, simples, tranquilo e bonito de
camponesa, a sobressair do tecido daquele campo de pétalas, sem um assomo de
pintura, apenas com um tom levemente bronzeado, protegido por uma longa esteva
de cabelos escuros.
Como é que
poderia ter ficado indiferente à aparição daquela mulher? Era um jovem. Só de
olhá-la, a sua cabeça mergulhou de pronto na ilusão. O seu sexo distendeu-se
ante a imaginação daquele corpo nu e de poder tocá-lo suavemente, como quem
contempla um sonho e tem medo que ao acordar ele se desvaneça de repente, para sempre.
Francisca
também jamais se esqueceu do jovem alto. De jeans justos, moldando umas pernas
fortes e perfeitas. Da t-shirt vermelha vincando o poder dos seus peitorais.
Dos braços musculados e cabeludos inspirando-lhe o desejo do toque. Do desejo
de afagar o seu rosto por barbear e desmanchar os caracóis do seu cabelo
espesso e amarelo como palha.
Naquele tempo
já distante no passado, nem no trilho mais profundo dos seus sentidos eles imaginavam
que davam início à mais longa, bela e infinita viagem na carruagem do AMOR.